Decreto 11.964/24 Regulamenta os Critérios Para Enquadramento de Projetos Prioritários de Infraestrutura
Novo decreto estabelece regras que deverão ser observadas para o enquadramento de projetos como prioritários, reforçando a intenção de priorizar o enquadramento automático, com dispensa de análise prévia pelos ministérios setoriais, e com destaque para projetos sustentáveis e que propiciem benefícios ambientais ou sociais relevantes
Foi publicado, em 27 de março de 2024, o Decreto nº 11.964 que regula os critérios e condições para enquadramento e acompanhamento dos projetos de investimento considerados como prioritários, conforme previsto na Lei nº 14.801, de 9 de janeiro de 2024, conforme em vigor (Lei 14.801).
O aguardado decreto, que foi publicado com atraso em relação ao prazo que havia sido fixado na Lei 14.801, reafirmou a intenção do governo em trazer mais dinamismo para o enquadramento de projetos de infraestrutura, mas não foi suficiente para responder completamente como tais processos funcionarão na prática, uma vez que delegou aos ministérios a incumbência de publicar portarias gerais que poderão definir requisitos específicos e/ou complementares para enquadramento ou, ainda, limitar o enquadramento a determinados subsetores ou tipos específicos de projetos.
Ademais, alterando a dinâmica da antiga regulamentação da Lei nº 12.431, de 24 de junho de 2011, conforme alterada (Lei 12.431), na forma do agora revogado Decreto nº 8.874/16, o novo decreto apresentou um rol taxativo de setores passíveis de enquadramento na área de infraestrutura, que abarca inclusive a transição energética, ao selecionar, por exemplo, projetos de geração de energia a partir de fontes renováveis, biocombustíveis e biogás e transformação de minerais estratégicos para tal transição, entre outros.
De maneira simplificada, destacamos abaixo os principais pontos abordados pelo Decreto:
Quem pode emitir Debêntures de Infraestrutura e Debêntures Incentivadas?
As regras de enquadramento definidas no decreto são aplicáveis para a definição de projetos prioritários tanto para fins da emissão de Debêntures Incentivadas (isentas de imposto de renda para os debenturistas) quanto para a emissão de Debêntures de Infraestrutura (permitem uma dedutibilidade adicional para o emissor).
Os valores mobiliários com benefícios fiscais indicados acima poderão ser emitidos tanto pelo titular do projeto prioritário quanto por seu controlador, em ambos os casos desde que organizados na forma de sociedades por ações.
Em relação ao mesmo projeto de investimento considerado prioritário, poderão ser emitidas tanto Debêntures Incentivadas quanto Debêntures de Infraestrutura, desde que o somatório dos valores captados não supere o limite das despesas de capital relacionados ao projeto (conforme será abordado abaixo).
A regra acima não se confunde com o acúmulo de benefícios fiscais da Lei 12.431 e da Lei 14.801 em uma mesma debênture, o que é expressamente vedado pelo decreto.
Setores Prioritários na Área de Infraestrutura
Como requisito para enquadramento, os projetos de investimento na área de infraestrutura devem necessariamente pertencer a um dos seguintes setores:
I - logística e transportes, incluídos exclusivamente: a) rodovias; b) ferrovias, inclusive locomotivas e vagões; c) hidrovias; d) portos organizados e instalações portuárias, inclusive terminais de uso privado, estações de transbordo de carga e instalações portuárias de turismo; e e) aeródromos e instalações aeroportuárias de apoio, exceto aeródromos privados de uso privativo;
II - mobilidade urbana, incluídos exclusivamente: a) infraestruturas de transporte público coletivo urbano ou de caráter urbano; b) aquisição de veículos coletivos associados às infraestruturas a que se refere a alínea “a”, como trens, barcas, aeromóveis e teleféricos, exceto ônibus que não se enquadrem no disposto na alínea “c”; e c) aquisição de ônibus elétricos, inclusive por célula de combustível, e híbridos a biocombustível ou biogás, para sistema de transporte público coletivo urbano ou de caráter urbano;
III - energia, incluídos exclusivamente: a) geração por fontes renováveis, transmissão e distribuição de energia elétrica; b) gás natural; c) produção de biocombustíveis e biogás, exceto a fase agrícola; d) produção de combustíveis sintéticos com baixa intensidade de carbono; e) hidrogênio de baixo carbono; f) captura, estocagem, movimentação e uso de dióxido de carbono; e g) dutovias para transporte de combustíveis, incluindo biocombustíveis e combustíveis sintéticos com baixa intensidade de carbono;
IV - telecomunicações e radiodifusão;
V - saneamento básico;
VI - irrigação;
VII - educação pública e gratuita;
VIII - saúde pública e gratuita;
IX - segurança pública e sistema prisional;
X - parques urbanos públicos e unidades de conservação;
XI - equipamentos públicos culturais e esportivos;
XII - habitação social, incluídos exclusivamente projetos implementados por meio de parcerias público-privadas;
XIII - requalificação urbana;
XIV - transformação de minerais estratégicos para a transição energética; e
XV - iluminação pública.
Ademais, exclusivamente para emissão dos valores mobiliários incentivados tratados no art. 2º da Lei 12.431, os projetos de minigeração distribuída serão considerados como projetos prioritários e que proporcionam benefícios ambientais e sociais relevantes.
Conforme amplamente divulgado, ficam de fora projetos do setor de petróleo, a fase agrícola associada à produção de biocombustíveis e biogás e projetos privados de saúde e educação (para os quais foi expressamente incluído o requisito de serem públicos e gratuitos).
Embora o decreto mencione expressamente projetos de geração de energia por fontes renováveis, a inclusão de projetos de infraestrutura no setor de energia envolvendo gás natural permite a interpretação de que a geração de energia a partir de tal combustível também foi abarcada.
Enquadramento de Projetos Prioritários de Infraestrutura
Como mencionado, o decreto repetiu o comando fixado na Lei 14.801 no sentido de simplificar os processos de enquadramento, reafirmando que a nova dinâmica privilegiará a dispensa de aprovação ministerial prévia e individual para diversos setores/projetos.
Não obstante, vale destacar que o Decreto fixou que os projetos que envolvam serviços públicos de titularidade de entes subnacionais dependerão da publicação de portaria ministerial prévia de aprovação para seu enquadramento como prioritários. Conforme definido na Lei 14.801 e no Decreto, em linha com a simplificação desejada, serão definidos, no âmbito dos ministérios competentes, procedimentos simplificados para tal aprovação prévia, que limitar-se-ão à verificação da descrição do projeto, dos requisitos institucionais do seu titular e da compatibilidade do projeto com as diretrizes e o planejamento setorial federal.
Como regra, serão considerados enquadrados como prioritários os projetos pertencentes aos setores prioritários (aqueles transcritos no item acima) que, na data de apresentação do requerimento de registro da oferta pública de distribuição dos valores mobiliários com benefícios fiscais, atendam aos requisitos estabelecidos no próprio decreto e às condições complementares estabelecidas na respectiva portaria ministerial.
Ao deixar expresso que deverão ser observadas as condições específicas e complementares definidas em portarias ministeriais, a análise sobre quais projetos/subsetores terão caminho mais rápido ou aqueles que ainda demandarão de algum tipo de ato ministerial prévio deverá aguardar a efetiva publicação de novas portarias ou adequação dos textos vigentes para a nova dinâmica. Em termos práticos, até o advento de tais novas portarias ou revisões, continuarão a ser utilizadas como base as portarias ministeriais existentes que regulam o antigo processo de enquadramento prévio, sempre que não conflitem com o novo decreto.
Quando exigida a aprovação prévia por parte dos ministérios setoriais, os projetos que proporcionem benefícios ambientais ou sociais relevantes, atestados por relatório de avaliação externa específica, terão prioridade de análise.
O decreto já cravou como condições para enquadramento que os projetos (i) sejam objeto de instrumento de concessão, permissão, autorização, arredamento ou contratos de programa (no setor de saneamento); e (ii) envolvam ações de implantação, ampliação, recuperação, adequação ou modernização.
Poderão ser consideradas como parte dos projetos de investimento ações e intervenções complementares que tenham a finalidade de reduzir ou mitigar emissões de gases de efeito estufa no âmbito do empreendimento de infraestrutura, mesmo que não sejam expressamente objeto dos instrumentos de concessão, permissão, autorização, arredamento ou contratos de programa. Por outro lado, foram excluídas outras formas de contratação mais amplas antes abarcadas pelo Decreto 8.874 e que envolviam outros contratos administrativos firmados por entes públicos com sociedades de propósito específico (SPE), desde que aprovados pelo ministério setorial responsável . Tais contratações eram observadas em setores como iluminação pública e outros aparatos urbanos, agora expressamente contemplados no decreto, mas que deverão necessariamente ser objeto dos instrumentos formais de delegação indicados acima.
Para projetos que envolvem a transformação de minerais estratégicos para a transição energética, fica dispensada a exigência de instrumento de concessão, permissão, autorização ou arredamento, e a portaria ministerial aplicável regulará o tratamento para as despesas relativas à fase de lavra e desenvolvimento da mina.
Investimentos passíveis de financiamento com recursos captados via valores mobiliários incentivados
O decreto estabeleceu que a emissão dos valores mobiliários com benefícios fiscais ficará limitada ao montante equivalente às despesas de capital (CAPEX) dos projetos de investimento considerados como prioritários. Ademais, como já mencionado, as despesas deverão estar relacionadas a ações de implantação, ampliação, recuperação, adequação ou modernização.
Enquanto o antigo Decreto nº 8.874/16 expressamente mencionava que as despesas de outorga dos empreendimentos de infraestrutura faziam parte do projeto de investimento, o novo texto normativo omitiu tal permissão e ressuscitou as incertezas que existiam quando da publicação da Lei 12.431, no já longínquo ano de 2011, sobre a elegibilidade ou não de tais despesas.
Tais incertezas afetam especificamente setores de infraestrutura que utilizam, de maneira exclusiva ou combinada, o critério de maior oferta de valor de outorga para julgamento do processo licitatório, como o de saneamento básico, o de rodovias e o de aeroportos.
A questão será certamente objeto de amplo debate já no futuro próximo, sendo aguardados os tratamentos específicos de cada Ministério setorial e também eventual disposição complementar do Ministério da Fazenda esclarecendo quais despesas dos projetos de investimento serão consideradas como financiáveis por meio de Debêntures Incentivadas ou Debêntures de Infraestrutura. A previsão no edital de licitação de que o valor de outorga será destinado à formação de reserva de contingência para despesas de capital do projeto de investimento, tais como desapropriações, condicionantes ambientais, estoque de melhorias, entre outras, poderá influenciar a elegibilidade da despesa de outorga para fins de emissão de valores mobiliários com benefícios fiscais.
Regras de Transição
Como mencionado, o novo decreto revogou expressamente a regulamentação anteriormente aplicável às Debêntures de Infraestrutura (o antigo Decreto nº 8.874/16), excluiu determinados setores antes elegíveis para enquadramento como prioritário e previu a emissão de novas portarias pelos Ministérios setoriais competentes para refinamento ou definição de critérios adicionais de enquadramento de projetos prioritários.
Dado o novo regramento, foi estabelecido que (i) as portarias setoriais editadas com fulcro no antigo Decreto nº 8.874/16 permanecem vigentes naquilo que não conflitarem com o disposto no novo decreto e (ii) os projetos com enquadramento já aprovados por meio de portaria do Ministério setorial responsável editada sob a vigência do antigo decreto e que não se enquadrarem nos critérios e nas condições estabelecidas no novo decreto poderão ser objeto de emissão de novas debêntures incentivadas, desde que realizem referida emissão no prazo de até 90 dias contado de 27 de março de 2024.
Para que não restem dúvidas, os projetos que se enquadravam nos requisitos estabelecidos nas portarias setoriais até então existentes, mas (i) não foram objeto de enquadramento via portaria específica e (ii) não se enquadrarem nos critérios e nas condições estabelecidas no novo decreto, não serão considerados como prioritários e não farão jus à emissão dos valores mobiliários com benefícios fiscais.
Fiscalização e Acompanhamento dos Projetos Prioritários
Em comparação com as regras gerais existentes na Lei 12.431 e na Lei 14.801, o novo decreto tratou de maneira mais detalhada as regras pertinentes à fiscalização e acompanhamento dos projetos prioritários que captarem recursos via valores mobiliários com benefícios fiscais, inclusive para eventual aplicação de multas no caso de não alocação dos recursos nos projetos de investimento.
Independentemente da necessidade de enquadramento ministerial prévio, o emissor dos valores mobiliários com benefícios fiscais deverá protocolar no Ministério setorial competente, antes da apresentação do requerimento de registro da oferta pública perante a CVM, documentação com a descrição individualizada do projeto de investimento, incluindo a) nome empresarial e CNPJ do titular do projeto (e do emissor, quando se tratar de pessoa jurídica diferente); b) setor prioritário em que o projeto se enquadra; c) objeto e objetivo do projeto; d) benefícios sociais ou ambientais advindos da implementação do projeto; e) datas estimadas para o início e para o encerramento do projeto ou, na hipótese de projetos já em curso, a data de início efetivo, a descrição da fase atual e a data estimada para o encerramento; f) volume estimado dos recursos financeiros totais necessários para a realização do projeto; e g) volume de recursos financeiros que se estima captar com a emissão dos títulos ou valores mobiliários, e respectivo percentual frente à necessidade total de recursos financeiros do projeto.
Ademais, o emissor deverá destacar, de maneira clara e de fácil acesso ao investidor, por ocasião da emissão pública dos valores mobiliários com benefícios fiscais, no Prospecto e no Anúncio de Início de Distribuição ou, no caso de ofertas destinadas exclusivamente a investidores profissionais, no Anúncio de Encerramento e no material de divulgação: a) a descrição do projeto, com as informações descritas acima e fornecidas ao ministério; b) o compromisso de alocar os recursos obtidos no projeto prioritário; e c) o número e a data de publicação da portaria de aprovação, quando exigida.
Caberá à CVM regulamentar a forma como as informações acima serão destacadas nos documentos da oferta.
O Ministério setorial responsável ficará obrigado a acompanhar, diretamente ou indiretamente, a implementação dos projetos, com exceção dos aspectos relativos à execução financeira. O Ministério responsável deverá informar à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda e à CVM a ocorrência de situações que evidenciem a não implementação do projeto ou a sua implantação em desacordo com o disposto no decreto, assim que delas tomar conhecimento, para evitar o risco de decretação da decadência do crédito e para a eventual apuração da responsabilidade dos gestores públicos envolvidos.
Em relação aos emissores de Debêntures de Infraestrutura, caberá à Secretaria e Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda e à Secretaria Especial da Receita Federal do Ministério da Fazenda realizar o acompanhamento e a avaliação da aplicação do benefício de exclusão da determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL do valor adicional correspondente a 30% da soma dos juros relativos às debêntures.
O emissor deverá manter a documentação relativa à utilização dos recursos captados disponível para consulta e fiscalização por pelo menos cinco anos após o vencimento dos valores mobiliários com benefícios fiscais, ou após o encerramento do fundo de investimento em direitos creditórios.
Outros temas tratados no decreto:
- Cláusula de Variação Cambial. Conforme abordado na Lei 14.801, o decreto estabeleceu que as Debêntures de Infraestrutura poderão ser emitidas com cláusula de variação cambial.
- Vedação à Aquisição das Debêntures de Infraestrutura por pessoas ligadas. As Debêntures de Infraestrutura não podem ser adquiridas por pessoas ligadas ao emissor, inclusive residentes ou domiciliadas no exterior.1 O decreto indicou que caberá ao Ministério da Fazenda autorizar, nas hipóteses e as condições que especificar, a aquisição dessas debêntures por pessoa jurídica vinculada residente ou domiciliada no exterior, desde que a aquisição esteja relacionada com a emissão e colocação no exterior de títulos a elas relacionados.
Enquadramento de Projetos de Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação. Para a área de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação, os projetos deverão ter como propósito introduzir processos, produtos ou serviços inovadores, conforme os princípios, os conceitos e as diretrizes definidas nas políticas de ciência, tecnologia e inovação e de desenvolvimento industrial. Serão abrangidos os setores de transição energética, transformação ecológica, transformação digital, complexo industrial da saúde e complexo industrial aeroespacial e de defesa, conforme ato conjunto do Ministério da Fazenda e do Ministério setorial responsável.
1 Para fins da Lei 14.801, consideram-se “pessoas ligadas ao emissor”: (i) as pessoas físicas que sejam: (a) controladoras diretas ou indiretas, acionistas titulares de mais de 10% das ações com direito a voto ou administradoras do emissor; (b) cônjuges ou companheiros das pessoas referidas no item (a) acima; e (c) parentes até o segundo grau, inclusive por afinidade, das pessoas referidas no item (a) acima; (ii) as pessoas jurídicas que sejam suas controladoras, controladas ou coligadas, nos termos da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976; e (iii) os fundos dos quais alguma das pessoas físicas ou jurídicas de que tratam os itens (i) e (ii) acima seja cotista detentora de mais de 10% das respectivas cotas.