Direito Tributário em Destaque | Tributação de Ativos Offshore – Lei N.º 14.754/23
1. Atualizações em evidência:
A Lei n.º 14.754/2023 estabelece novas regras de tributação de investimentos detidos por pessoas físicas no exterior (incluindo sociedades offshores e trusts) e instituiu o regime de “come-cotas” (recolhimento antecipado de IR feito a cada seis meses) para indeterminados fundos de investimento fechados constituídos no Brasil.
Para explicar mais sobre o assunto e esclarecer alguns pontos importantes, preparamos um material sobre o regime de tributação das sociedades offshores.
Confira abaixo um resumo do conteúdo e ao final, faça o download do material completo.
2. Introdução:
Na estrutura de investimento usualmente adotada por brasileiros, constituíam-se sociedades no exterior (offshore) que efetuavam aplicações financeiras, obtendo rendimentos e reaplicando os recursos. Como a tributação só ocorria com a disponibilização dos recursos aos sócios brasileiros, tal estrutura permitia o diferimento da tributação (brasileira) até o momento em que os recursos fossem disponibilizados ao sócio brasileiro via distribuição de dividendos ou redução de capital.
A Lei n.º 14.754/23 buscou encerrar a estrutura que permitia o diferimento da tributação de aplicações financeiras com o uso de sociedades offshore. Os contribuintes devem incluir na declaração de imposto de renda da pessoa física (DIRPF) os rendimentos apurados por sociedades offshore que preencham os requisitos da lei em 31 de dezembro (último dia do ano civil).
Por esse motivo é que fala-se que a tributação é “automática”, porque há incidência de imposto de renda mesmo que o lucro não tenha sido distribuído aos sócios via dividendos. Na prática de tributação internacional, utiliza-se a expressão Controlled Foreign Corporation Rules (CFC Rules) para designar a política tributária que prevê que as receitas geradas por subsidiárias estrangeiras devem ser tributadas pelo país de residência da controladora mesmo que não tenham sido distribuídas como dividendos. Por esse motivo, pode-se afirmar que a Lei n.º 14.754/23 instituiu o regime de CFC Rules para as pessoas físicas.
3. Cenário tributário:
O Brasil inaugurou as CFC Rules para sociedades estrangeiras controladas por pessoas jurídicas brasileiras em 2001, com a edição da Medida Provisória nº 2.158-35/2001. Esse regime é recheado de controvérsias jurídicas, sendo que algumas delas foram decididas na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.588, julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2013, que deliberou que o regime de CFC Rules da Medida Provisória nº 2.158-35/2001 seria constitucional para sociedades controladas e inconstitucional para sociedades coligadas que não estivessem sediadas em paraísos fiscais.
A Lei n.º 14.754/23 inaugura as CFC Rules para pessoas físicas, mas com aproximações e distanciamentos do regime da Medida Provisória nº 2.158-35/2001 (que já foi analisado pelo STF). Assim, é importante analisar se os fundamentos da decisão do STF em 2013 são igualmente aplicáveis ao regime da Lei n.º 14.754/23 e, em relação às diferenças, se são compatíveis com a Constituição.
4. Repercussões e mudanças:
Os lucros auferidos por offshores que se enquadrem nas situações previstas na lei n.º 14.754/23 serão tributados pelas pessoas físicas em 31 de dezembro de cada ano a partir de 2024. Para fins didáticos e simplificando algumas exceções, existem três grupos de condições que determinam a tributação “automática”, em 31 de dezembro, do lucro auferido ao longo do ano:
(i) estar constituída em “paraíso fiscal”;
(ii) estar submetida à regime fiscal privilegiado; ou
(iii) ter Renda Ativa inferior a 60%.
Para as entidades offshore que se enquadrem em alguma das três hipóteses acima descritas o lucro contábil do ano (sem considerar o resultado de equivalência patrimonial) deverá ser convertido de USD para BRL e tributado em 31 de dezembro à alíquota de 15%. Há algumas regras especiais para (i) compensar parcialmente o tributo pago no exterior (com uma série de limitações e requisitos burocráticos) e (ii) compensação com perdas da própria entidade controlada que sejam apurados a partir de 2024.
Para as demais offshores (i.e., as que não estiverem sujeitas ao regime de tributação “automática”), continuará valendo a regra geral de que a tributação somente ocorrerá com a efetiva disponibilização aos sócios, aplicando-se a alíquota vigente no momento do recebimento dos recursos. Opcionalmente, o contribuinte também pode aplicar o regime de tributação “automática” em 31 de dezembro de cada ano.
Os lucros auferidos antes da entrada em vigor da Lei n.º 14.754/23 não podem estar sujeitos à tributação “automática” sob pena de se conferir efeitos retroativos à lei tributária, o que é vedado pela Constituição. A lei traz a opção do contribuinte antecipar o pagamento da renda sobre tais lucros (que só ocorreria com sua distribuição), com alíquota reduzida (8%) e sem tributar a variação cambial.
5. O que podemos concluir?
O Regime de Tributação “Automática” pode gerar a incidência de imposto de renda sobre uma “renda fictícia” ou “virtual”. Isso porque a tributação ocorre antes do término do investimento, sobre “ganhos temporários” que podem não se materializar. A compatibilidade dessa tributação com o princípio da realização da renda - especialmente para ativos financeiros de grande volatilidade (i.e., criptoativos e hedge funds) – tende a ser objeto de análise pelo Judiciário brasileiro nos próximos anos.
A “antecipação” da tributação sobre os lucros auferidos até 2023 se mostra vantajosa para pessoas físicas que efetuaram os investimentos no exterior quando o Real Brasileiro estava valorizado em face de outras moedas. Além da alíquota reduzida de 8% (a alíquota atualmente em vigor é de 15%), a “antecipação” da tributação exclui expressamente a variação cambial, que será tributada se o contribuinte optar por tributar o lucro auferido até 2023 no momento da efetiva repatriação dos valores.
O regime da Lei n.º 14.754/23 não permite que o contribuinte contraponha as perdas registradas em uma sociedade com ganhos registrados por outra sociedade. Diferentemente do que ocorre no regime de tributação “automática” de lucros de offshores controladas por pessoas jurídicas (Lei n.º 12.973/14), o regime da Lei n.º 14.754/23 não permite que a pessoa física faça a “compensação” entre ganhos/perdas registradas por várias sociedades controladas dentro do mesmo ano-calendário. A compatibilidade dessa previsão com o princípio da universalidade da renda tende a ser objeto de análise pelo Judiciário brasileiro nos próximos anos.
A equipe de Tributário está à disposição para discutir o tema e aspectos práticos de estruturas internacionais.
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